CARTA À FOTOGRAFIA DE NATUREZA
Queria começar dando dois passos para trás aqui porque a fotografia de natureza existe, antes de tudo, na imagem que já é viva antes do clique da câmera. É claro, você ainda vai precisar de uma câmera ao seu lado para tirar fotografia de natureza e precisará ainda mais: uma câmera fotográfica que esteja com você o tempo todo.
Mas a fotografia antes de tudo é olhar e o olhar se aprende andando.
Em 2019 o renomado fotógrafo de natureza Araquém Alcântara apresentou a mim, junto a uma outra dezena de fotógrafos, uma carta de Sergio Larrain ao seu sobrinho com pedido de dicas de fotografia. Na carta Larrain diz “Vá em frente com a sua vida, desenhe um pouco, dê um passeio, mas não se force a tirar fotografias: isso mata a poesia, a vida em si fica doente. Seria como forçar o amor ou a amizade: você não pode fazer isso. Quando você nasce de novo, você pode partir em outra viagem, outra vagabundeação […]”. Penso hoje que se você quiser tirar fotografia de natureza, é preciso andar muito para conhecer natureza das coisas. E quando conhecemos mais lugares, poemas, exposições, livros, histórias, ventos e pessoas, guardamos no nosso inconsciente todo um mosaico de referências. E nesse momento algo de extraordinário acontece: conseguimos a habilidade de pausar o tempo. Sim. Igual daqueles super-heróis. E aí a fotografia começa.
As vezes na fotografia de natureza, o clique certo dura o tempo de meio segundo, então poder parar o tempo acaba sendo muito conveniente. E apenas você saberá dizer qual o momento certo e não se preocupe, e muitas vezes se frustrará. Faz parte. Acontece com todos e não tem nenhum problema. Porque você se retira do fato e “dá uma dica” – o que vc acha? A cada momento perdido, a cada “erro”, a cada falha você terá a oportunidade de crescer mais do que com os acertos, se souber aproveitar.
O fotógrafo nada mais é que um fofoqueiro. Ouve uma história e repassa. Para isso precisamos escutar. Escutar com os ouvidos e com os olhos.
Então ande muito e fotografe quando encontrar algo interessante. Tire muitas fotos, volte para casa. Veja o que fez, o que gostou o que não gostou. Pare um tempo, veja a fotografia de outras pessoas. O que nelas te faz emocionar? São as sombras? As luzes? O rosto, o enquadramento, o movimento? Veja tudo. E pegue de melhor tudo aquilo que ver e gostar. Deixe todas essas referências espalhadas pelo seu quarto para que te chame a atenção todos os dias. Então estude enquadramento, composição, exposição, luz, tempo de exposição, foco, sensores digitais, ISOs, lentes. E saiba que tudo isso são ferramentas importantes para te ajudar a expressar aquilo que você é.
Então vá para a natureza.
Não procure nada, mas esteja aberto a encontrar. A busca acaba sendo como os antolhos de um cavalo. Limita sua visão e coisas irão passar desapercebido por você. Mesmo que esteja numa missão para fotografar os macacos Zogue-Zogue no Pantanal, as Harpias da Amazônia, ou o Lobo Guará do Cerrado. Esteja nos lugares abertos para receber o que vier. Muitos dizem que a fotografia de natureza descansa na sorte. De fato, dependemos de uma porcentagem de sorte. Mas de nada vale se não dermos a chances de a sorte aparecer. E isso é treino, perseverança e preparo físico. Se você se mantiver 14 horas num lugar conhecido por ter onças, são grandes as chances de você ter sorte de ver uma onça.
O “erro” será inevitável. Serão horas de suor para poucos resultados eles muitas vezes podem não ser o esperado. Mas caros fotógrafos e fotógrafas… quando der certo… Não há sensação melhor. Eu te garanto.
Faça isso muitas vezes. Pois cada vez estará mais seguro. Saiba que isso é para sempre. Duvide daqueles que dizem que chegaram ao ponto final. Treine muito. Pegue um equipamento leve e somente o necessário. Estude as diferenças entre as DSLRs e as câmeras mirroless. A Sony proporciona as melhores mirroless, e veja as opções Canon de DSLR. Mas veja também que existem várias outras opções. Procure lentes que sejam boas teleobjetivas para fotografar os animais de perto, pois nem sempre você conseguirá se aproximar. As vezes é perigoso. A 100-400mm são queridinhas dos fotógrafos de natureza. Comece a fotografar com abertura f.8 no seu diafragma da câmera. Domine todos os primeiros passos e não se apresse. Faça os cursos que puder, escute outros fotógrafos que trabalham a mais tempo que você. Seja chato. O receio de ser inoportuno não deve se sobressair aos seus objetivos de crescer. E depois experimente. Depois de um tempo usando a 100- 400mm comecei a usar a 300mm fixa e levo comigo um duplicador. Assim consigo resultados diferentes, não necessariamente melhores. Mas é gostoso saber que existem mais opções para percorrer. Leve também uma grande angular, independente do que for fotografar. Apesar de precisar apenas do necessário, é importante que esteja preparado para diferentes situações.
Deixe a câmera no manual e o balanço de branco no automático. Confie na sua relação com a câmera. Você saberá usar ela melhor que ninguém. E ela será uma boa câmera. Veja onde está o seu botão de foco. As vezes é melhor tirar a função de foco do botão de disparo e acioná-lo com o dedão. Pesquise sobre, a maioria das câmeras tem essa opção.
E sempre, sempre fotografe em RAW. Fotografar em JPEG só irá limitar as possibilidades de finalização da sua foto. E esse é seu trabalho. Não o limite. Tenha domínio de todas suas possibilidades.
Ao voltar do campo, tenha HDs externos com você e organize por pastas para que sempre possa achar suas fotos quando quiser. Exporte tudo para o HD, de preferência tenha um HD back-up. E vá editar suas fotos.
Entra o segundo mundo da fotografia, a edição de foto.
E se você está procurando uma opinião purista de edição sem intervenções, me desculpe, mas não encontrará aqui. Todo o texto tenho dito para expandir as possibilidades de atuação, conhecer novas comunidades de arte, novos seguimentos e processos de trabalho. Isso se enquadra aqui na edição da foto. Mas saiba sempre que dependendo do caminho que tomar, haverá lugares mais ou menos apropriados para exibir suas fotos. Não darei dicas de caminhos de como editar sua foto. Isso você tem que aprender sozinho a partir das referências que encontrou. E não tenha medo de fazer igual. Você é uma pessoa diferente da sua referência e assim será com sua foto. E pouco a pouco você irá descobrir seus próprios gostos e tentará fazer algo novo. Abra o Lightroom e/ou Photoshop. Crie seus catálogos por ensaios ou expedições. Separe por dias. Importe suas fotos RAW e comece trazendo todas as informações da foto, para saber o que há nela. Ou seja: diminua os highlights e aumente os shadows. Diminua levemente o contraste. Veja o que há na foto. Reenquadre se quiser. Corte à sua maneira. Pesquise os formatos diferentes para uma possível impressão ou post. O melhor formato de post para o Instagram é 4×5 vertical. E comece a editar. Mexa em todas as barras possíveis até descobrir todos os atalhos. Conheça o programa de edição tão bem quanto sua câmera pois ela irá interferir na sua imagem tanto quanto. E a modele à sua própria maneira. Sendo ela cheia de intervenções ou próxima do que sua memória lhe diz. As câmeras nunca terão a qualidade de nossos olhos, então quando você fotografa algo, já não é exatamente como a realidade. A fotografia é a expressão de nossa impressão da realidade. Com isso, seja livre a criar como quiser. É o seu trabalho.
Ao término, exporte sua foto final. Veja as possibilidades de exportação e qual se adequa ao lugar que quer expor. Mas exponha. Cito novamente Larrain: “Vai aprendendo, quando você tiver uma foto realmente boa, a amplie, faz uma pequena exposição ou um livro (…). Fazer uma exposição é dar algo, como dar de comer, é bom para os demais que lhes seja mostrado algo feito com trabalho e gosto. Não é para se gabar, é bom para você, é bom para todos e isso é bom para você, porque lhe dá feedback.”
Bom. Espero que tenha ajudado. Este tem sido meu caminho, pelo menos o caminho que tento correr. Ainda tenho muito dele. Estou no começo. Mas é um caminho que tem me trazido vontades e movimento.
Texto por Frico Guimarães