Projeto Bicudos: atuando na conservação de aves praticamente extintas da natureza

Em Minas Gerais, uma ave bastante rara foi encontrada após 80 anos sem registros na natureza: o bicudo (Sporophila maximiliani)! Após 4 anos de buscas por pesquisadores, a ave foi avistada por um morador da região leste mineira, em fevereiro deste ano. Ao saber da informação, o WAITA Instituto de Pesquisa e Conservação foi ao encontro do animal e tomou as medidas cabíveis para protegê-lo e dar continuidade à sua existência em vida livre. O feito foi realizado pelos profissionais do Projeto Bicudos, que desde 2016 desenvolve ações para a conservação da espécie.  

Um dos bicudos (Sporophila maximiliani) registrados em vida livre. | Foto: Alice Lopes/Waita

Criticamente ameaçada de extinção no país, a ave tornou-se um dos focos do Plano de Ação Nacional para Aves da Mata Atlântica. Então, com uma causa de grande potencial nas mãos, o Waita pôde contar com o apoio da Fundação Grupo O Boticário de Proteção à Natureza e com a parceria do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a criação e execução do Projeto Bicudos há 4 anos. 

As estratégias e ações desenvolvidas pelo projeto buscam subsidiar um programa de conservação e reintrodução da espécie no estado de Minas Gerais. Para alcançar tal objetivo, os profissionais fizeram, inicialmente, buscas pelos indivíduos na natureza. Simultaneamente, também realizavam estudos técnico-científicos dos bicudos que estavam em cativeiros autorizados. Agora que encontraram uma pequena população em vida livre, conseguem coletar informações sobre comportamento, ecologia, caracterização genética e sanitária das aves em liberdade. Dessa forma, tentam unir o máximo de informações possíveis sobre o animal, a fim de trabalhar efetivamente na sua conservação. 

Gravação de vocalização dos bicudos. | Foto: Waita

Para entender melhor a essência e o funcionamento deste incrível projeto, conversamos com a Magda dos Santos Rocha, que é bióloga com mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre. Atualmente, Magda atua como Diretora Financeira no Waita e é uma das profissionais à frente do Projeto Bicudos. Confira abaixo a entrevista: 

Qual é a importância ecológica dos bicudos? O que se sabe hoje sobre a espécie?

 O bicudo (Sporophila maximiliani) é um passeriforme de canto muito apreciado, o que o levou a ser capturado, de forma intensa, para comercialização e criação em cativeiro. Este fator, somado às alterações de seus habitats, causaram reduções drásticas em suas populações. Está definida hoje como “provavelmente extinta” no estado do Rio de Janeiro e “criticamente em perigo” em Minas Gerais e São Paulo, sendo considerada uma espécie raríssima de ser encontrada na natureza. Pouco se sabe sobre a ecologia, distribuição e os locais de sobrevivência da espécie no Brasil e em Minas. Os poucos dados existentes no Estado, indicam a ocorrência nas proximidades do Parque Estadual do Rio Doce no ano de 1940 e de extinções locais em quase todas as áreas de ocorrência histórica. 

 

Como foi a criação do Projeto Bicudos?

 A quantidade de indivíduos de bicudos em cativeiro é grande, em contraste com a situação da espécie na natureza. Foi esse dado que levou a equipe do Waita a dar início ao diagnóstico da população existente em cativeiro, quanto à densidade, genética e sanidade, com o objetivo de reintroduzi-la na natureza. Além disso, realizamos busca ativa nas áreas dos últimos registros a fim de encontrar a espécie em vida livre, concomitantemente, avaliamos as possíveis áreas para reintrodução da espécie em MG, baseando-se no mapa de distribuição potencial e na preferência de habitat da espécie.

O WAITA, com apoio da Fundação Grupo O Boticário de Proteção à Natureza e em parceria com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as Universidades Federais de Viçosa (UFV), de Ouro Preto (UFOP), Federal de Minas Gerais (UFMG), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e criadores da espécie devidamente autorizados, criou o Projeto Bicudos, com um único sonho: devolver o canto dos bicudos às matas!

 

Quais são os principais desafios enfrentados pelo Projeto?

O nosso principal desafio é a conservação da espécie. Sua vulnerabilidade, a fragilidade do seu ecossistema e o alto potencial de captura, visto que são aves raras, tornam esse trabalho difícil. A existência dessa pequena população tem atraído atenção de birdwatching e possivelmente atrairá a atenção de caçadores. 

A falta de recursos também se apresenta como um desafio, já que o Waita está arcando com as despesas para as campanhas de monitoramento, com aluguel de veículo, combustível, alimentação da equipe e equipamentos.

 

Após o encontro dos três indivíduos em MG, quais foram as medidas tomadas com eles? 

Quando recebemos o registro dos indivíduos, visitamos imediatamente a área, com a equipe de ornitólogos do Waita e veterinários dos órgãos parceiros, a fim de confirmar a identificação dos espécimes. Com uma satisfação imensa nós avistamos um casal e um macho solitário. A partir de então, a equipe permaneceu monitorando os indivíduos diariamente e coletando dados comportamentais, alimentares e uso da área de vida.  Fizemos também a captura e marcação de um indivíduo macho, o que é essencial para o monitoramento, e ainda coletamos os dados biométricos e amostras para análises genéticas e sanitárias, além de gravações de alta qualidade da vocalização produzida pelas aves. 

Para o monitoramento contamos com profissionais da biologia e medicina veterinária, voluntários do Waita e estudantes do laboratório de ornitologia da UFV, que com o auxílio de binóculos, câmeras fotográficas, GPS, gravadores e microfones, acompanham as atividades dos espécimes, registrando o seu comportamento.

Essa equipe realiza também as buscas por novos indivíduos na região. Atualmente, a população de bicudos já conta com seis indivíduos, inclusive um jovem, o que dá fortes indícios que estão se reproduzindo no local.

Para as campanhas de captura, contamos com uma equipe maior apoiada por técnicos do IEF, IBAMA e UFV.

Equipe de profissionais envolvidos com o estudo dos bicudos. | Foto: Waita

 

Quais são os próximos passos? O que esperam para o futuro dos animais?

Os próximos passos compreendem criar estratégias de proteção da espécie, com foco em estabelecer parcerias, além do envolvimento da sociedade civil, empresas, criadores, terceiro setor e comunidades do entorno. Assim, buscamos garantir a proteção e a continuidade do estudo da espécie, além de transformação social e geração de renda. Pensando a longo prazo, também objetivamos o revigoramento populacional e a reintrodução da espécie em novas áreas.

Gostaríamos de parabenizar o Waita e todos os parceiros pela incrível iniciativa! Nós acreditamos no poder de instituições e profissionais que lutam pela biodiversidade e apoiamos essas iniciativas. Vida longa aos bicudos na natureza! 

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