Camelos: uma história de adaptação

Ao pensarmos em camelos, automaticamente associamos estes animais aos desertos. Eles possuem um conjunto de características únicas que possibilitam sua sobrevivência em um ambiente tão hostil. Mas, e se eu te falar que os camelos se originaram em um ambiente completamente diferente, você acredita? Ficou curioso? Então vem acompanhar o blog de hoje para descobrir mais!

 

Camelo-bactriano. Foto: Hans Benn – Pixabay

 

Características

Os camelos como conhecemos hoje fazem parte do gênero Camelus, com duas espécies: o dromedário (Camelus dromedarius) e o camelo-bactriano (Camelus bactrianus). Elas se diferem por várias características, sendo a mais visível a corcova, essa corcunda tão simbólica do gênero. O dromedário possui uma corcova única, enquanto o camelo-bactriano, apresenta duas.

 

Camelo-bactriano. Foto: Hans Benn – Pixabay

 

Já falando sobre as famosas corcovas, que aliás não contêm água, são uma característica essencial na sobrevivência destes animais. As corcovas armazenam uma reserva de mais de 35 kg de tecido adiposo, a gordura. Com isso, a gordura do camelo se concentra em um só local, o que significa que esse isolante térmico não vai ser necessário nas outras partes do corpo. Isso facilita a dissipação do calor e diminui a perda de água por transpiração.

Em situações adversas, como escassez de água e de alimentos, o camelo usa essa reserva de gordura da corcova. A gordura é convertida em água e energia para o animal e, dependendo da extremidade da situação, pode resultar em uma corcova “vazia”, como é possível visualizar abaixo.

 

Foto: Nikki Gensert – Dreamstime

 

Além disso, outras características ajudam o camelo a sobreviver com uma disponibilidade limitada de água. Seus rins, intestinos e, até mesmo os glóbulos vermelhos, são extremamente eficientes na retenção de água. Em sua urina é eliminada uma quantidade tão baixa de água, que a mesma se assemelha a um xarope. Para completar, suas fezes são tão secas, que podem ser utilizadas para fazer fogo.

Sua capacidade de repor a água também é igualmente impressionante. Um camelo é capaz de beber cerca de 115 litros de água em apenas 13 minutos! E não é só bebendo que um camelo consegue obter água, algumas plantas peculiares também podem saciar sua sede. Os camelos possuem estruturas em sua boca, as papilas queratinizadas, que protegem o seu interior e possibilitam a ingestão de plantas como cactos, sem gerar qualquer ferimento. 

Algumas outras adaptações também contribuem para a sobrevivência desses animais nos desertos. Eles são capazes de fechar suas narinas para evitar a entrada de areia, possuem duas fileiras de longos cílios para proteger seus olhos contra a areia e patas largas que facilitam sua navegação na areia. Impressionante, não é?

 

Um fragmento de osso

Agora que aprendemos sobre todas estas adaptações dos camelos ao ambiente desértico, fica difícil imaginar estes animais habitando outro espaço, né. Mas a realidade da origem desse gênero nos leva a outro extremo: o Círculo Ártico.

Em 2006, a paleobióloga Natalia Rybczynski, estava em uma expedição no norte canadense, quando se deparou com o que achou ser uma pequena lasca de madeira. Com uma análise mais cuidadosa, descobriu que na verdade se tratava de um osso de 3,5 milhões de anos preservado pelo gelo Ártico.

 

Fragmento de osso. Foto: Martin Lipman – Nature

 

Nos anos seguintes, Natalia coletou cerca de 30 fragmentos desse mesmo osso e  descobriu que se tratava de uma tíbia, um osso da perna. Através de comparações, Natalia percebeu que a tíbia pertencia a um mamífero do grupo dos ungulados, mas o tamanho era muito maior do que qualquer espécie atual.

Com alguns anos de pesquisa em cima dos fragmentos, Natalia finalmente obteve sua resposta, através de uma análise do colágeno preservado no osso. Algumas espécies têm estruturas ligeiramente diferentes de colágeno, uma proteína encontrada em todos os mamíferos e, o colágeno presente em todos aqueles fragmentos, possuía um perfil igual ao de um mamífero atual: o camelo.

Baseado no tamanho do osso, esse camelo extinto teria tido quase 3 metros de altura, diferindo da média de 2 metros dos camelos atuais. Isso significa que Natalia havia encontrado um fóssil de um camelo gigante do Ártico.

 

A dispersão dos camelos pré-históricos

No meio científico, não era novidade que a origem dos camelos aconteceu muito longe dos desertos que hoje habitam. As primeiras espécies tiveram origem na região que hoje se encontram os Estados Unidos. Há cerca de 45 milhões de anos, parentes dos camelos atuais habitavam aquelas terras. Alguns com tamanho de coelhos, alguns com pescoços como de girafas e, até mesmo, alguns com focinhos como os crocodilos. 

Entre 3 a 7 milhões de anos, alguns destes grupos de camelos pré-históricos migraram para outras partes do mundo. Aqui na América do Sul, podemos encontrar alguns de seus parentes: as lhamas, alpacas, guanacos e vicunhas. Uma característica em comum entre esses grupos e os camelos (que vale o aviso) é o costume de cuspir em pessoas que se aproximam demais sem permissão.

 

Guanaco. Foto: Danilo de Castro – Biofaces

 

Mas voltando à história, um outro grupo migrou para a Ásia e África, dando origem aos camelos modernos. Em seguida, na última Era do Gelo, os camelos norte-americanos foram extintos. 

 

Camelos na neve

O fato dos camelos serem originários de outras regiões distantes podia até não ser novidade, mas o fato de um desses animais ter habitado regiões com clima oposto ao atual foi uma surpresa a todos. É verdade que, naquela época, a região tinha um clima um pouco mais ameno que atualmente, se aproximando mais ao clima encontrado na Sibéria, mas ainda significaria condições árticas, com invernos rigorosos, nevascas e lagos congelados.

 

Foto: Canadian Museum of Nature – WikiMedia Commons

 

E como pode um camelo ter sobrevivido a isso? Natalia chegou a uma resposta fascinante. E se todas as características que fizeram os camelos conquistarem tão bem os desertos também auxiliassem sua sobrevivência em condições árticas? Sua reserva de gordura na corcova poderia ter ajudado a enfrentar invernos rigorosos, com pouca disponibilidade de alimento. A proteção de suas narinas e olhos contra a areia podem protegido contra nevascas. As patas largas que ajudam a não afundar na areia poderiam ter o mesmo efeito na neve. É totalmente contraintuitivo, mas também é brilhante.

É incrível como um animal tão perfeitamente adaptado a um nicho tem uma história de vida totalmente diferente. Especialmente devido ao fato que essa descoberta foi a partir de uma coisa tão singela quanto um fragmento de osso. Essa história foi abordada na íntegra em uma TEDTalk, que você pode conferir aqui.

 

E então, também achou fascinante a história por trás desses animais incríveis? Para quem tiver registros dessas espécies, você pode ser o primeiro a postar na nossa plataforma. Topa? Estamos esperando!

 

Texto por Lidiane Nishimoto

Revisado por Fernanda Sá

 

Share your thoughts